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sexta-feira, 12 de agosto de 2016

1968/1973 - Repressão

    “Contra a pátria não há direitos”, informava uma placa pendurada no saguão dos elevadores do prédio da Polícia Civil em São Paulo. Era o templo da “tigrada”, policiais e militares com ordem e permissão para matar, muitos sob o comando de Sérgio Paranhos Fleury. O delegado era violento. Começava estapeando, depois torturava e, se perdia a paciência, atirava mais de uma vez. Filho de legista, Fleury cresceu em delegacias. Desde os 17 anos estava na polícia. Fazia parte de uma unidade particularmente agressiva, a Delegacia de Roubos, quando foi “recrutado” pelo regime militar, em junho de 1969. O delegado viria a ser a peça-chave da Operação Bandeirante, a Oban. A missão era estratégica: criar um organismo que reunisse elementos das Forças Armadas, da polícia estadual e da Polícia Federal, para o trabalho específico de combate à subversão. Na prática, o núcleo reuniu os elementos mais radicais, corruptos e violentos dessas organizações. Fleury e sua trajetória são um retrato acabado do que se passou nos porões da ditadura brasileira. Contra o terror, investiu-se no horror.

    A repressão não nasceu com o AI-5, mas foi com ele que viveu seu auge. Houve torturas e mortes desde os primeiros anos de governo militar. O Departamento de Ordem Política e Social (Dops), subordinado ao governo estadual, existia desde os anos 20. O Serviço Nacional de Informações foi criado em 1964. A Polícia do Exército torturou logo após o golpe. As manifestações de 1968 foram reprimidas com dureza. Só que o AI-5 foi entendido como licença para matar e, de fato, quem matou em nome do combate à subversão não foi incomodado nos anos seguintes.

    Dizer que a máquina repressiva se organizou após 1968 é uma imprecisão por conta disso. E também porque a desorganização era o fundamento da lógica da repressão. O capitão torturador passava por cima do major, o delegado trabalhava contra o governador. Nesse sentido, a repressão subvertia a ordem mais do que os guerrilheiros. Isso não quer dizer que não houvesse cadeias de comando, mas que os porões criaram sua própria hierarquia – clandestina, com ramificações nos altos escalões e, no mínimo, sua conivência.

    Fleury, por exemplo, teve plenos poderes ao chefiar a Oban. Quando se instalara no Dops, já levara com ele todo seu “Esquadrão da Morte”, um grupo de policiais envolvidos em esquemas de corrupção, proteção a traficantes, desvio de contrabandos. Um deles, conhecido como Fininho, carregava no chaveiro, como amuleto, a língua de um dedo-duro que metralhou. “Os comandantes militares sabiam que tinham colocado um delinqüente na engrenagem policial do regime”, diz Elio Gaspari no livro A Ditadura Escancarada, referindo-se a Sérgio Paranhos Fleury.

    Quando o delegado esteve em alta, unidades policiais enviavam suspeitos para sua base, uma delegacia na rua Tutóia, no bairro do Paraíso. Atrás daquelas paredes, os presos viviam o inferno. As sessões de tortura desse período estão entre as piores de que se tem notícia, repletas de choques elétricos, afogamentos, palmatórias, queimaduras, espancamentos em pau-de-arara e estupros individuais e coletivos. Algumas vítimas se suicidaram anos depois. A influência do delegado ia além dos limites do estado. Em 1969, Fleury matou Carlos Marighella com ajuda do Centro de Informações da Marinha (Cenimar), que deteve no Rio padres que tinham ligações com o guerrilheiro e os ofereceu à tortura do delegado.

    Nos quartéis, também ocorriam maus-tratos e mortes. Houve aulas de tortura, ministradas por oficiais. Os que se destacavam na repressão recebiam medalha cujo título seria irônico, não fosse o contexto macabro: Ordem do Grande Pacificador. Fleury recebeu a sua em 1971. Henning Boilesen, presidente da Ultragás que foi morto pela esquerda, também ganhou uma.

    Para os altos escalões da República, a tortura tinha dois resultados práticos: obter informações sobre as atividades clandestinas da esquerda e exterminar seus participantes. O primeiro era visto como uma necessidade. O segundo, como acidente de trabalho. Mas é difícil acreditar que a morte da vítima fosse indesejada quando se olha a extensão dos ferimentos de alguns presos. Chael Charles Schreier, estudante de medicina que pertencia à VAR-Palmares e foi morto em 1969, tinha mais de 50 machucados. Seu queixo exibia um corte com cinco pontos. A cabeça sofrera hemorragia e havia sangue “em todos os espaços” do abdômen. O intestino fora rompido e dez costelas estavam quebradas, segundo relato de Elio Gaspari, que examinou a necropsia de Schreier e a qualifica como “a mais detalhada do regime”.

    Fleury se destacou tanto em obter informações quanto em matar os esquerdistas – Marighella era seu maior troféu. A ofensiva de que participou em 1969 colocou a luta armada contra a parede e dizimou os guerrilheiros. Para isso, contou com um passo em falso dado pela esquerda no início do ano. Até 1968, o Exército se ressentia da falta de informação e fora surpreendido seguidamente por ações da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e da Ação Libertadora Nacional (ALN). Empolgada pelo sucesso de seus atentados, roubos a banco e justiçamentos, a VPR planejou atacar o Palácio do Governo paulista e o quartel do 2º Exército. Para isso, esperava a deserção de Carlos Lamarca, campeão nacional de tiro e capitão respeitado no 4º Regimento de Infantaria. Ele iria tomar seu quartel e fugir com 560 fuzis e dois morteiros. Mas o plano é descoberto, seus participantes são presos e Lamarca foge às pressas do quartel com 63 fuzis e uma Kombi – o ex-capitão morreria em 1971.

    Com interrogatório e tortura, os presos deram ao Exército um grande trunfo: conhecer a estrutura da VPR. Era a primeira vez que isso acontecia. Em pouco tempo, após dezenas de prisões, a organização foi desarticulada. Os presos levaram a integrantes de outras siglas. O Grupo Tático da ALN caiu – alguns militantes foram cercados pessoalmente por Fleury. Em Belo Horizonte, o Colina (Comando de Libertação Nacional) foi destroçado. No Rio, o MR-8 virou pó.
Repressão vira o jogo
    A repressão virou o jogo com menos de dois meses de AI-5. Passou à ofensiva e aperfeiçoou suas engrenagens. Cada Arma tinha um centro de informações que, a exemplo do Cenimar, ia a campo contra a subversão. Os Dops se ligaram à estrutura militar pela Oban, iniciada em São Paulo e exportada a outros estados. Em 1970, a Oban integrou-se aos DOIs e aos Codis, que eram regionais e pertenciam ao Exército. Cada órgão tinha agentes que seguiam pessoas, grampeavam telefones, analisavam interrogatórios e recolhiam boatos para “fichar” suspeitos.

Texto retirado do portal novo.geo.com.br

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